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Brazil - Argentina alertou EUA sobre programa nuclear brasileiro
Natalia Viana, 10 de fevereiro de 2011, 11:00 GMT
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As presidentas do Brasil, Dilma Rousseff, e da Argentina, Cristina Kirchner, assinaram no final de janeiro um acordo para a construção de dois reatores nucleares de pesquisa - um em cada país. O acordo foi mais um sinal de que, neste assunto, os dois países compartilham muitas posições e interesses.
Mas a visão de que o Brasil é um aliado não é unânime dentro do governo argentino, de acordo com documento enviado pela embaixada americana em Buenos Aires a Washington em 24 de dezembro de 2009.
Na época, o diretor encarregado de não proliferação nuclear no Ministério do Exterior argentino tratou do programa nuclear brasileiro com representantes dos EUA, dizendo que a Argentina mantém “alerta amarelo” em relação aos projetos do sócio do Mercosul e que os brasileiros “escondem tecnologia, como centrífugas”, dos inspetores. Além disso, Gustavo Ainchil revelou que a Argentina tem um plano no caso do Brasil resolver desenvolver armas nucleares.
O documento faz parte de uma série de telegramas do WikiLeaks que revelam o que autoridades latino-americanas pensam sobre o Brasil. Os despachos foram consultados por esta repórter e o Opera Mundi vai publicá-los nos próximos dias.
Segundo o despacho da embaixada de Buenos Aires, a reunião dos representantes argentinos com o conselheiro político da embaixada, Alex Featherstone, sobre o programa nuclear brasileiro aconteceu no dia 10 de dezembro de 2009.
A iniciativa da reunião partiu dos americanos, depois que o embaixador argentino em Brasília procurou a embaixada dos EUA para reclamar do Brasil. Duas semanas antes, o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad visitara o Brasil.
De acordo com o relatório da embaixada, estiveram na reunião Gustavo Ainchil, diretor da Direção de Segurança Internacional, Assuntos Nucleares e Espaciais do Ministério das Relações Exteriores (Digan), seu subdiretor Alberto Dojas e uma funcionária do ministério.
Para o Engenheiro Naval e Nuclear Leonam dos Santos Guimarães, que assessora a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), as preocupações de Gustavi Ainchil são uma postura isolada. “Se existissem ‘apreensões da Argentina’, elas deveriam estar sendo discutidas e resolvidas dentro dos canais de comunicação estabelecidos pelo Regime Regional de Salvaguardas em vigor nos dois países, foro adequado para isso”, diz ele.
Leonam avalia que as preocupações são infundadas, já que além do Brasil ter assinado o tratado de não-proliferação, a Constituição Federal veda quaisquer usos não pacíficos da energia nuclear em território nacional. “Dispositivo constitucional similar somente existe na Nova Zelândia”, diz ele. (leia a entrevista completa)
Já o físico José Goldemberg, ex-ministro e ex-secretario de Estado, especialista em energia, acredita a postura brasileira alimenta esse tipo de preocupação nos países vizinhos, ao não assinar o protocolo adicional do Tratado de Não Proliferação de Armas Atômicas. “A recusa da Argentina e do Brasil alimenta esse sentimento”, diz. “Ficamos numa posição próxima da posição do Irã”.
"Todo o time"
“A participação de todo o time do Digan reforça a impressão da embaixada de que os argentinos haviam decidido de antemão compartilhar uma mensagem de preocupação com o governo americano”, diz o despacho enviado ao Departamento de Estado.
O diretor da Digan começou dizendo que recentes atitudes do Brasil haviam “chamado a atenção” da Argentina. “A recepção do presidente iraniano Ahmadinejad foi especialmente preocupante para a Argentina, dadas as suas questões com o Irã”.
A decisão de abrir uma missão diplomática na Coréia de Norte e a recusa brasileira em assinar o protocolo adicional de não proliferação nuclear, que permite inspeções nucleares com curto aviso prévio e em instalações não declaradas ela AIEA, também seriam motivo de preocupação.
Em seguida, Ainchil disse ao representante americano que o Brasil “esconde certas tecnologias nucleares, como centrífugas” dos inspetores argentinos da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC), um organismo binacional responsável por verificar o uso pacífico dos materiais nucleares.
Tais sinais são vistos pela Argentina como um “alerta amarelo”. Para os argentinos, o Brasil se equipara à Alemanha, ao Japão, e à Coreia do Sul, países que “poderiam desenvolver e detonar bombas nucleares em pouco tempo se quisessem”, mas que mantêm compromissos internacionais que os impedem de fazer isso.
Para não encostar o vizinho na parede, o que seria “contraprodutivo”, o governo argentino decidiu também não assinar o protocolo adicional, segundo Ainchil.
Navio quebra-gelo nuclear
O diretor do Digan reclamou ainda das recentes compras de armamentos pelo Brasil. Fez comparações com o Chile, que comprara armamentos, mas, ao mesmo, deu sinais positivos retirando as minas terrestres que mantinha na fronteira com a Argentina. Para Ainchil, de acordo com o documento, em relação ao Brasil, “é preciso contar com os acordos internacionais de não proliferação.”
Na conversa, o diretor da Digan teria afirmado que, caso o Brasil venha a desenvolver a bomba nuclear, a Argentina procuraria se posicionar fazendo avançar seus programas na área, mas com fins pacíficos. “A Argentina iria escolher um caminho de desenvolver e empregar tecnologia nuclear pacífica avançada para demonstrar capacidade, sem de fato desenvolver armas nucleares”, relata o despacho. Ele mencionou como um provável modo de mostrar esta capacidade a construção de um navio quebra-gelo nuclear.
Segundo o despacho, o governo argentino via com alívio a transição presidencial em 2011. Ainchil teria sugerido que, embora a Argentina mantivesse “respeito” pelo presidente Lula, “a popularidade sem precedentes de Lula e seu desapego de fim de mandato a considerações políticas haviam permitido assumir riscos na política externa e de defesa”.
Já o sucessor fugiria de medidas controversas, inclusive na relação com o Irã. Por isso, Ainchil sugeriu que os EUA procurassem os candidatos Dilma Rousseff e José Serra para conversar sobre a adesão brasileira ao protocolo adicional da AIEA.